sábado, 20 de setembro de 2014

entrevista com Lindbergh na Ele Ela (1992)

Seguindo a linha de entrevistas resgatadas de revistas eróticas antigas, segue abaixo uma entrevista que o Lindbergh Farias concedeu à Ele Ela em 1992. Na época ele ainda era o líder dos "caras-pintadas", presidente da UNE e membro do PCdoB. A entrevista foi concedida para a edição de dezembro da publicação. Os encontros com o repórter devem ter acontecido em novembro - após a votação do impeachment de Fernando Collor (em 29 de setembro) e um pouco antes da renúncia do ex-presidente (em 29 de dezembro), manobra realizada para evitar uma condenação pelo senado pelo crime de responsabilidade. Itamar Franco assumiu a presidência interina em 2 de outubro.

Essa matéria da Folha de S. Paulo lembra um pouco o movimento dos caras-pintadas:
As denúncias, que se intensificaram por todo o mês de maio, culminaram com a formação do Movimento pela Ética na Política, composto por 18 entidades civis, como centrais sindicais, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 
No dia 29 de maio daquele ano, o movimento organizou um fórum pelo afastamento de Collor que contou com a participação de mais entidades, como partidos políticos e a UNE (União Nacional dos Estudantes).
Tanto a matéria da Folha, quanto a entrevista na Ele e Ela lembraram da minissérie Anos Rebeldes, da Rede Globo, que era exibida na época: 
A Rede Globo estava passando a minissérie Anos Rebeldes, de Gilberto Braga, que falava sobre o papel dos estudantes contra a ditadura. Em nossa primeira passeata, a gente colou um cartaz que dizia "Anos Rebeldes, Próximo Capítulo"
A página da UNE na Wikipedia aponta que o Lindbergh se tornou presidente da entidade em 1992 com a bandeira "Fora Collor": 
"Passada a eleição, a bandeira do Fora Collor foi aprovada no Congresso da UNE de 1992, realizado em Niterói. Com esta bandeira o estudante paraibano Lindberg Farias tornava-se presidente da entidade. Na medida em que as denúncias contra o governo Collor tornavam-se mais graves, o movimento organizado ganhou uma cobertura nacional o que o transformou no principal motor na campanha pelo impeachment. As passeatas reuniam centenas de milhares de pessoas, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo (que chegou a reunir 500 mil pessoas em 25 de agosto de 1992). O final da jornada de luta estudantil foi um alívio: ao contrário do que ocorrera com as Diretas-Já, o impeachment foi aprovado e o presidente afastado."
A página do próprio Lindbergh na Wikipedia faz um resgate da história familiar do ex-cara-pintada:
"Seu avô era eleitor do Partido Comunista. O pai estudou no Rio e foi vice-presidente nacional da UNE em 1961. Segundo ele mesmo diz, ele cresceu cercado de livros sobre o pensamento da esquerda e, aos catorze anos, já se dizia socialista. Aos dezesseis filiou-se ao PCdoB, onde atuou no seu braço juvenil, chegando a ser presidente nacional da União da Juventude Socialista - UJS alguns anos depois. 
Aos dezessete anos, começou a estudar medicina na Universidade Federal da Paraíba. Em 1990, entrou para o DCE (Diretório Central dos Estudantes). Aos 21 anos, foi eleito secretário-geral da União Nacional dos Estudantes (UNE) e se mudou para São Paulo. 
Em 1992, Lindberg Farias foi eleito presidente da UNE, fato este considerado o início de sua carreira política. Naquele ano, conheceu o petista Luiz Inácio Lula da Silva".
Segue abaixo a entrevista na Ele Ela:

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Lindbergh Farias: O Líder Cara-Pintada
por Léo Borges

Ele era apenas mais um estudante do curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba, quando resolveu lutar para melhorar os laboratórios de sua escola. Acabou entrando para o centro acadêmico, depois para o DCE e, finalmente, chegou à presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE). Aos 22 anos, este típico filho de uma família de classe média nordestina trocou um futuro como médico (igual ao pai) para, como advogado, poder interferir na história do Brasil. Acabou transformado nos últimos meses na mais nova e das mais importantes lideranças políticas do país. Tão requisitado que, num espaço de dois dias, tivemos de ouvi-lo na sede da UNE, em Vila Mariana, São Paulo, e no aeroporto Santos Dumont, no Rio, onde fazia uma escala entre os vários vôos que o levaram nestas 48 horas também a Cuiabá, João Pessoa e Campinas.


Conheça agora o que pensa um dos principais responsáveis pela mobilização pelo impeachment de Collor.


ELE ELA - Por que, depois de fazer três anos de Medicina, você resolveu mudar para o curso de Direito?
Lindbergh - Fiz vestibular muito novo, mas depois vi que não gostava de Medicina, pois gostava de Ciências Sociais e era obrigado a estudar Biologia, Matemática, Física. Eu tinha mais inclinação para áreas humanas e para uma profissão que tivesse mais o lado social. Fiquei com medo de, como médico, me transformar em mero agente passivo da história, deixando que as coisas acontecessem sem poder interferir no quadro de injustiça que existe no país. Como advogado teria campo para essa atuação.

- Você já tinha alguma formação política antes da universidade?
- O clima em minha casa foi propícia para minha formação política, meu pai foi vice-presidente da UNE; sempre foi um cara muito voltado para literatura.

- Quantos são em sua família? Todos fazem política?
- São três irmãos. Uma irmã já se formou em Medicina, meu irmão em Direito. Tenho um mais novo, secundarista ainda, e cada qual age politicamente de sua maneira, mas dentro de uma organização só eu.

- Você é filho de pai rico?
- Sou filho da classe média. Meu pai é médico, minha mãe é assistente social, professora da universidade. Tive espaço para ter uma formação em termos culturais, educacionais. Fui formado participando de discussões sobre a vida cultural. Então sou fruto dessa minha formação e acabei tendo espaço para a participação política.

- Seu pai milita politicamente ainda?
- Meu pai não mexe mais com política, largou na época de estudante. Ele foi da geração dos anos rebeldes. Gosta muito de política, mas sua participação se limita hoje ao voto.

- Como foi sua adolescência?
- Foi como a de qualquer outro, eu tinha até prancha de surfe. Morava na praia, em João Pessoa, jogava frescobol, era um aluno extremamente estudioso, aplicado, e praticava muito esporte. Fiz natação dos sete aos 16 anos, participava do campeonato brasileiro. Depois pratiquei pólo aquático, durante cinco anos. Jogava também futebol na praia, mergulhava com meus amigos, fazia pesca submarina. Foi um período muito bom de minha vida, muito ligado à natureza.

- Sexo para você era também uma coisa natural, havia aquela coisa de comer as priminhas, sair com prostitutas, ou você aprendeu com amigos do mesmo sexo?
- Conheci sexo com uma namoradinha, quando eu tinha 13 anos. Ela era um pouco mais velha. Mas eu também fui com outros amigos e tudo mais. Acho que comecei minha vida sexual da melhor forma possível.

- Você tem preconceito contra o homossexualismo?
- É difícil fazer de conta que não se tem preconceito algum sobre nada. Minha geração tem esse preconceito com o o homossexualismo, mas tento romper, embora cada um traga em sua formação cultural um pouco.

- Qual o seu grande orgulho?
- Ter derrubado o presidente da República, ou melhor, ter presidido a UNE nesse momento histórico.

- Ele não cairia sem você?
- Cairia, mas não cairia sem a juventude. Poderia ter outro em meu lugar mas ele poderia não conseguir canalizar a voz da juventude, da mesma forma como poderia ter alguém que até canalizasse melhor que eu, tudo isso.

- Numa entrevista de tevê você disse que na derrubada do Collor você foi mais importante que qualquer deputado...
- Eu acho que como presidente da UNE fiz um papel mais importante do que o de qualquer deputado, sim, ou seja, as entidades populares, as pessoas mesmo sem ter cargos podem fazer um papel importante na vida desse país.

- Esse seriado da Globo Anos Rebeldes teve algum peso nessa sugeração e no tipo de movimento que você liderou?
No começo pode ter tido, mas não foi determinante. Aquilo mostrou para a juventude que os estudantes de 1969, apesar da repressão, tiveram coragem de ir para as ruas gritar. Então, quando chegou o reajuste das mensalidades nas escola, a UNE e a UBES foram a todos os locais despertando os estudantes: "Estão falando que você é alienado, que é da geração coca-cola, a universidade está praticamente se acabando, as escolas particulares aumentaram em 100 por cento as mensalidades este mês, e você vai ficar aí de braços cruzados?" O determinante foi a revolta. Não só com a corrupção do governo Collor, mas também com a miséria. Chegar em casa e ver o pai desempregado por causa da recessão e ter de pagar 100 por centro de reajuste nas escolas de um mês para o outro! O determinante para mim foi a crise social, mas esse elemento subjetivo dos Anos Rebeldes ajudou também. Toda vez que a juventude, do mundo inteiro, está sem perspectivas de futuro, ela vai às ruas, por exemplo, no Leste Europeu, na queda do Muro Berlim, em Woodstock, sempre foi assim.

- Você pode fazer alguma comparação entre a geração de seu pai, essa dos Anos Rebeldes, e a geração de jovens que você lidera?
- Somos muito perseguidos por essa geração; tentam comparar muito. A gente tem de ver que são dois momentos históricos diferentes. Em 1968, a juventude estava influenciada por aquele maio de 68 na França. Daniel Vermelho, e também pela resistência contra a invasão de Praga pelos russos. Uma geração que tinha como símbolos Guevara e Fidel Castro, que sofria influência das lutas dos países africanos pela liberação, que ao mesmo tempo aqui no país sofria com a ditadura, mas que tinha coragem de exigir liberdade, democracia e até de sonhar com o socialismo. Essa geração fez também a revolução sexual, teve Woodstock, abertura total, drogas, sexo e rock. Minha geração vive um outro momento, o da queda do Muro de Berlim, do desmantelamento da União Soviética. Apesar disso, a juventude foi para as ruas, porque a crise passa por cima disso tudo. Mas, indiferente ao que acontece no mundo, passou por cima do individualismo e criou uma nova onda coletiva.

- Esse pessoal tem consciência política do que está fazendo?
- Não se pode exigir que o nível de consciência dessa juventude seja grande. É exigir demais. Ela começa a armar suas próprias idéias, ter a sua própria ideologia sobre o mundo. Esse é o ponto nodal, pois acaba com aquele jovem que não queria saber de nada. Essa juventude não sente, como a de 1968 sentia, de transar com todo mundo e fumar maconha na praça escutando Bob Dylan, contestar pela forma.

- Essas explosões nesse momento precisam de liderança?
- Depende de cada momento. Aqui, no Brasil, essas mobilizações foram pressionadas pelas entidades, que sentiram o clima de revolta que existia nas universidades. Quando a gente disse que ia fazer uma grande passeata, a imprensa não levou a sério. Mas a gente sabia que seria muito grande mesmo. A imprensa foi toda para o aeroporto receber os brasileiros que tinham recebido medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona e foi pega de surpresa com nossa gigantesca passeata. Mas, não existindo clima, não adianta. Tem momentos que são as lideranças que comandam, noutros são as entidades. Agora, tem casos em que, as entidades não lutam num momento histórico, perdem o bonde e a massa passa por cima. Nós fizemos a mobilização no momento certo e digo mais, se não tivesse vindo aquela passeata no dia 11, esse impeachment não seria aprovado. Não teria havido a pressão popular.

- Popular não, ali só havia os filhos da burguesia, da classe média e rica...
O povão em si não é mais estudante, nem é operário, a grande massa de brasileiros vive por fora da sociedade. O presidente Itamar Franco está preocupado com isso, com uma convulsão social, pois essa política econômica recessiva está levando o país a um grau nunca imaginado de pobreza. Isso pode transformar esse país num barril de pólvora. Os arrastões do Rio e a revolta dos pivetes em São Paulo foram uma espécie de guerra civil sem ser planejada, sem ser organizada.

- Essa juventude cara-pintada que foi as as ruas contigo era só de colégios particulares ou havia também gente das favelas , dos bairros de periferia?
- O grande mérito do nosso movimento é ter conseguido ganhar as escolas particulares e públicas, reunir não só universitários mas também secundaristas. Tinha todo tipo de jovens: carentes e pessoas com melhores condições.

- Você é um dos últimos comunistas no mundo e militante do PC do B, um partido considerado politicamente arcaico. Como explica um jovem como você metido nisso?
- Para entrar nessa discussão tem de ver o que é realmente arcaico, porque estão tentando passar a imagem da modernidade collorida. Tiramos o Collor, mas querem manter a filosofia de modernidade dele: modernidade só de carro importado e jatinho. Modernidade que eu vejo é o cidadão poder comer três vezes ao dia. Arcaico é a pobreza, é a miséria generalizada.

- Mas o comunismo fracassou no mundo inteiro, Lindbergh!
- A maior crise que existe no planeta hoje é a crise do capitalismo. Está aí o desemprego crescendo nos Estados Unidos e nos países que exploram o Terceiro Mundo. O capitalismo significa misérie, exploração ao extremo dos povos do Terceiro Mundo. Já o socialismo é um sistema em que os meios de produção estão nas mãos dos operários, de um governo popular, um regime baseado na justiça social e na fraternidade.

- Mas na União Soviética, no Leste Europeu, isso não funciona assim e a pobreza acabou derrubando a burocracia e a tal ditadura do proletariado!
- Claro que não podemos esquecer essa lição e que o socialismo deve ser construído de acordo com a realidade de cada país. O socialismo não deve se prender de forma alguma a outros modelos. O socialismo que queremos deve se preocupar muito com os erros do passado, como a burocratização e a falta de canais democráticos daqueles que não faziam parte do partido oficial para poderem interferir nas decisões. Mas teve muitos acertos também nas áreas da saúde e da educação. Dizer que o socialismo enquanto sistema social foi derrotado é um absurdo. Sofreu uma derrota parcial, mas voltará e voltará com força, por causa das grandes contradições do capitalismo. Tem até quem diga que a história morreu. Não posso aceitar isso, pois leva à passividade, ao ceticismo. Acho que é possível transformar esse Brasil das crises e desigualdades num Brasil diferente, sem miséria. Por isso sou comunista, sou do PC do B.

- É por isso que você é contra as privatizações? Por preferir o estado patrão?
- No momento, até os que são favor de privatizar tudo deviam estar unidos contra a forma como as privatizações estão sendo feitas, entregando as estatais por moeda podre, que não vale nada. Mas também sou contra a privatização de setores estratégicos para o desenvolvimento do país. Esses setores são intocáveis. Falam na ineficiência das estatais. Mas será que é culpa das estatais mesmo ou da administração da política corrupta em cima dessas estatais?

- Por que a UNE fracassou na mobilização na porta da Bolsa de Valores do Rio ao tentar impedir a estatização da Acesita? A massa ainda não captou a mensagem?
- A gente não queria fazer um movimento de massa com estudantes. A gente quis apenas marcar posição. Passamos em alguns centros acadêmicos convidando as pessoas, mas não fizemos os arrastões que a gente fazia nas salas de aula, pois não havia condições para isso. A discussão sobre estatização ainda não existe entre os estudantes.

- Financeiramente, a UNE vive de quê?
- A UNE vive dos seminários e congressos que ela realiza. Agora há também a venda de carteira de estudantes. Com a carteira da UNE o estudante paga meia entrada em cinema, teatro, shows e até em transporte coletivo. O dinheiro não é muito e vivemos graves problemas financeiros, principalmente nessas passeatas. Tivemos de gastar muito em cartaz, panfletos e carros de som.

- Mas você viaja pelo Brasil inteiro de avião. Quem é que paga por isso?
- Sempre que viajo para algum debate, os organizadores ou entidades que convidaram mandam as passagens de ida e volta. Não só eu, outros diretores da UNE também. Quando isso não é possível, aí a UNE tem de bancar para mim e para os outros diretores.

- Você já viajou para o exterior?
- Já, conheci a Disneyworld, quando tinha 11 anos, e fui também à Europa, já mais adulto.

- Em que o Collor era diferente do Itamar?
- Em quase tudo. O Itamar inclusive está querendo se portar como o anti-Collor, dispensou até o porta-voz para falar diretamente com a imprensa: tem um estilo humilde de vida. Acho que na política é ainda mais acentuada a diferença e espero que se diferencie cada vez mais. Ele procura diálogo com diversos setores da sociedade, com estudantes, trabalhadores, inclusive com os representantes das elites no Congresso.

- Representantes das elites não, representantes nossos: seu, meu, do povo.  Ou você questiona o atual sistema eleitoral estabelecido na Constituição?
- Para dizer a verdade, no Congresso há uma porção de lobbies. Tem o lobby dos ruralistas, com sua imensa bancada; tem um lobby que ataca muito a gente, o dos donos de escolas particulares. Na verdade, a maioria dos deputados e senadores está comprometida com as elites. A parcela de deputados que defende os interesses populares é mínima. O fundamental é que existe uma pressão forte em cima desse governo, pressão do FMI, do capital estrangeiro, para que continue no mesmo rumo de modernização do governo Collor. Por isso, deve existir por parte dos estudantes, dos trabalhadores, a pressão no sentido contrário, para mostrar ao Presidente Itamar que, se ele não tentar amenizar a crise que a gente está vivendo, em pouco tempo seu governo estará desgastado perante a sociedade.

- Essa é a posição do PC do B também?
- Não, a do PC do B é outra. Essa é da UNE. Desde o processo de impeachment a gente deixava bem claro nas passeatas que nosso objetivo não era tirar Collor e colocar Itamar. Era exigir mudanças de fato na sociedade.

- No parlamentarismo isso seria diferente?
-  A UNE não tirou posição sobre isso. ela vai começar a estudar isso no final de dezembro, em Brasília. Sou favorável ao parlamentarismo, mas sem o voto distrital misto, pois estaríamos correndo o risco de dar um golpe na democracia. As minorias seriam alijadas das decisões. E a democracia sempre entra em jogo quando não consegue abrir espaço para determinado pensamento político. Há uma manobra dos grandes partidos políticos contra o sistema proporcional que fere radicalmente o princípio da minoria.

- Você recebeu convite de alguns partidos políticos para se candidatar nas próximas eleições. Você é candidato a quê?
- Não sou candidato a nada. Sou candidato a ser o resto da vida um cidadão comum que está querendo dar uma opinião política. Mas quero fazer isso como advogado apenas.

- Se não vai ser candidato a cargo eletivo, quais são seus planos como presidente da UNE, então?
- Nossa gestão foi vitoriosa, mudou a face da UNE, que agora está mais representativa e tem mais acesso aos estudantes. No momento estamos lançando um projeto de educação para o Brasil que vai em cima das questões das escolas particulares, dos aumentos das mensalidades, das verbas para as universidades. Estamos também desenvolvendo um projeto de alfabetização e os estudantes universitários podem auxiliar muito nesse processo. Nesse plano pretendemos ir às favelas, ao campo, aos locais de trabalho. Também está para ser votada a Lei de Diretrizes e Bases de Educação, a LDB, a lei complementar do capítulo de educação da Constituição. Então é um momento de grandes decisões. No próximo ano, também vai ter a revisão constitucional, o momento em que a UNE vai empunhar com força a bandeira da educação para todos.

- Vocês sempre falam de verbas para as universidades, onde estudam de graça os filhos de papai rico e se esquecem do ensino básico, público e gratuito para a imensa maioria da população...
- Deve existir incentivo ao ensino básico em turmas do Primeiro e Segundo Graus. Mas não tirando recursos das universidades, pois elas não existem apenas para formar recursos humanos, engenheiros, médicos, advogados. É das universidades que saem 90 por cento da produção científica e tecnológica do nosso país. Então, retirar recursos das universidades federais é acabar com a possibilidade de desenvolvimento do país.

- Essa geração que você lidera é menos preconceituosa em relação a sexo e drogas do que as anteriores. Como você encara isso?
- Não diria assim. Diria que é mais pé no chão. Ninguém hoje transa por transar. Transa porque está a fim, porque gosta da pessoa. E eu acho que tem menos drogas, e que aquele modismo que existia numa época hoje não existe tanto. Não quero negar que existam as drogas, claro, mas essa nova geração está sabendo trilhar os caminhos corretos.

- Você gosta de maconha?
- Eu não consumo drogas, mas não me acho careta. Tenho amigos que fumam maconha. Inclusive sou contra a forma como tratam hoje o assunto. Sou a favor da descriminalização da maconha. É uma tremenda injustiça prender um meninote de 19 anos que está fumando maconha num local qualquer, quando se devia tratar mais é das causas de tudo isso e também coibir o tráfico. Hoje não existe entre os jovens discriminação contra quem não fuma. Existe mais liberdade. Então se você me perguntar por que nunca fumei maconha, direi que não sei, nunca tive curiosidade. Talvez por formação mesmo, por considerar que é uma forma de se fugir da realidade.

- Você tem namorada fixa ou você está curtindo seu momento de glória e comendo todo mundo?
- Não sou dos grandes comedores. Sou um cara meio romântico, gosto de me envolver; acho que aí sai melhor. Acho que o sexo é melhor quando se conhece mais a pessoa. Se bater tesão só na hora, depois é aquele vazio, você se arrepende. Por acaso estou uma namorada agora, namorada fixa.

- Sua namorada é contrária a você politicamente?
- Ah, sim, você não pode querer que a pessoa esteja a seu lado seja reprodutora de seu pensamento. Mas é claro também que eu não namoraria uma pessoa com quem eu não tivesse condições mínimas de conversar sobre qualquer coisa, mesmo com posições diferentes.

- Você exige fidelidade de suas namoradas?
- Não sou o machista clássico nem um neomachista, mas tento vencer todas as formas de preconceitos, de barreira. Tento me policiar em relação ao machismo porque, querendo ou não , a gente traz um pouco disso, na formação cultural, mesmo sem querer e sem saber. Tem relações em que acho importante a fidelidade, tanto minha quanto dela. Tem outras que não.

- Qual é o tipo de mulher de sua preferência?
- Uma mulher bonita, morena. Sou louco por morena, uma boca carnuda. As morenas são especiais. Morenas altas, de preferência de olhos puxados. Batem as louras. A Luíza Brunet é muito bonita. Tem a Isadora Ribeiro que também acho linda.

- Além das menininhas, qual é seu lazer?
- Meu lazer é esporte, desde quando eu era pirralho. Esporte, livros, cinema e música. No momento estou alucinado com reggae. É a onda do momento. Gosto também do The Doors, Raul Seixas, Pink Floyd, Bob Dylan. Gosto de MPB, Caetano Veloso.

- Você pratica alguma religião, acredita em Deus?
- As religiões foram usadas em diversos momentos da história como instrumento de alienação, como forma de esconder a realidade. Diziam que havia o paraíso depois da morte e que quem sofresse aqui depois ia para o céu e quem o explorava ia para as chamas do inferno. Engodo. A religião era o chamado ópio do povo. Atualmente, porém, há uma parte da igreja católica que fez a opção pela libertação dos povos, e faz um papel importante na mudança da realidade.

- Sua família tinha religião?
- Simpatizava com a católica, mas não sou muito de igreja. Fui batizado, estudei em colégio de padres maristas, no Pio X, mas isso não influenciava. Sou muito cético, me considero um materialista. A ciência hoje consegue explicar quase tudo, acredito mesmo é na teoria científica da evolução.
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Dois anos depois desta entrevista, Lindbergh concorreu ao cargo de deputado federal pelo PCdoB. Migrou para o PSTU e depois só conseguiu se eleger quando passou a fazer parte do PT. Foi prefeito de Nova Iguaçu, hoje é Senador pelo Rio de Janeiro e candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro. A página da wikipedia dele fala um pouco mais sobre essa carreira pós-cara-pintada. Durante a pesquisa para essa pequena biografia do candidato, encontrei algumas páginas administradas por um povo puto da vida com o Lindbergh. Se quiser dar uma olhada é só clicar nos links a seguir: 1, 2, e 3

Há dois anos, o Estado de Minas fez uma matéria sobre os caras-pintadas, e conversou com algumas pessoas que foram pra rua na época. Um deles é o o ex-ministro da Saúde e atual candidato ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha: 
“Mostramos, da nossa forma, que as passeatas estudantis poderiam influenciar a política no país”. Ele conta que o sentimento dos estudantes era de muita felicidade, pois o país estava ouvindo o que tinham a dizer. 
Padilha diz ter absoluta convicção do saldo histórico que o movimento do impeachment trouxe e opina: “Reforçamos o debate sobre termos cada vez mais no país instituições que valorizem a democracia”. Ele acredita que o processo foi uma marca na construção do Brasil atual, por ter feito seu primeiro presidente eleito por voto popular depois da ditadura passar por um processo de impedimento pacífico, democrático e com regularidade institucional."

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